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Publicado
Arq. Pedro Daniel Faria | Fundador da FARIA+ARQUITECTOS
Da Metodologia e dos Materiais
Dando continuidade à análise iniciada na Parte I, centrada na intervenção de Eduardo Souto de Moura no Mosteiro de Santa Maria do Bouro, esta segunda parte propõe um aprofundamento do contributo de Carlo Scarpa no contexto da reabilitação contemporânea, com foco no emblemático projecto de reabilitação do edifício do Castelvecchio, em 1958, em Verona (Itália), enquanto caso paradigmático dessa “nova sintaxe” de interpretação individual e única dos vestígios físicos da história de um edifício.
Tanto Scarpa como Souto de Moura recusam a neutralidade da intervenção e projectam a partir de uma gramática onde o gesto arquitectónico se constitui como enunciação crítica e operativa das opções metodológicas. Ao explorar os materiais enquanto vectores de significação, ambos os autores evidenciam o papel activo da matéria na construção de uma linguagem arquitectónica que articula, com sensibilidade e fundamentação, a memória do lugar e a contemporaneidade do gesto projectual, aproximando-se da concepção de Kenneth Frampton ao descrever uma “tectónica expressiva enquanto poética da materialidade”(1).
Materialidade do restauro de Scarpa no Castelvecchio quando separa, claramente, a sua intervenção do pré-existente. A neutralidade do material escolhido permite a facilidade dessa leitura.
Scarpa, num contexto e período histórico diferentes, desenvolve uma linguagem caracterizada por uma grande intensidade visual na sua relação com a pré-existência e de análise crítica cuidada na depuração desta como elemento histórico identificável e reconhecível.
No Castelvecchio foram utilizados vários tipos de mármore e pedra para criar pavimentos, o rodapé em torno desses pavimentos, e para revestir paredes internas e externas. A razão que orientou Scarpa para uma escolha de materiais locais não foi só por esta ser a opção mais económica mas, também, por uma vontade declarada do arquitecto de reclamar uma tradição da arquitectura veronesa. A reestruturação do interior do Museu “nasce de um constante jogo entre as superfícies trabalhadas de diferentes materiais”(2). Entre esses materiais podemos identificar a pietra di prun, a pietra tenera di Vicenza, o marmore rosso Verona e o marmore verdi Alpi.
Painel que oculta o acesso aos quartos de banho, rebocado com cores expressivas, assumindo a alteração de linguagem.
O revestimento externo do antigo altar, em pietra di prun, altera segundo a paleta cromática branco, rosa, vermelho e malva, com superfícies lisas e rugosas.
Os acabamentos utilizados são de reboco rústico, à base de cal hidratada e aplicação de inertes. Foram utilizados estes acabamentos de forma a dar luminosidade aos espaços e uma superfície compacta aos planos. O reboco no exterior do edifício é em cor cinzenta, áspero, sem nenhuma pintura final, para que fosse evidente a natureza dos materiais que o compõe.
A fachada da galeria tem um reboco muito poroso, existindo dois cortes rectangulares que colocam a nu a estrutura da muralha oitocentista da antiga caserna.
Intervenção de recuperação do Museu do Castelvecchio em Verona, pelo Arquitecto italiano Carlo Scarpa (1958).
O acabamento na parede divisória entre a galeria e os sanitários em cal lisa, de cor vermelho pompeiano, e outra parte da mesma divisória, pintada em azul, assumem-se como um elemento moderno que introduz uma valência nova aquela estrutura.
O betão armado foi utilizado para reforçar as estruturas pré-existentes, tendo sido aproveitado por Scarpa como uma mesa de experimentação de texturas que dialogam com os materiais antigos do edifício, simulando, na maior parte das vezes, os veios da madeira.
Como sublinha Frampton, Carlo Scarpa “apresenta-nos uma sintaxe táctil (...), transformada em evidentes transições entre áspero e suave, de polido para mate, de trabalhado para não trabalhado”(3).
Pormenor dos materiais que compõem o revestimento externo do antigo altar.
(1) K. Frampton “Studies in Tectonic Culture: The Poetics of Construction in Nineteenth and Twentieth Century Architecture”, The MIT Press, Cambridge, 1995, p.305.
(2) K. Frampton, “Carlo Scarpa and the Adoration of the Joint”, Cambridge 1995, p.321.
(3) K. Frampton, Ibidem p.322.
Publicado
Arq. Pedro Daniel Faria | Fundador da FARIA+ARQUITECTOS
Da Metodologia e dos Materiais
Dando continuidade à análise iniciada na Parte I, centrada na intervenção de Eduardo Souto de Moura no Mosteiro de Santa Maria do Bouro, esta segunda parte propõe um aprofundamento do contributo de Carlo Scarpa no contexto da reabilitação contemporânea, com foco no emblemático projecto de reabilitação do edifício do Castelvecchio, em 1958, em Verona (Itália), enquanto caso paradigmático dessa “nova sintaxe” de interpretação individual e única dos vestígios físicos da história de um edifício.
Tanto Scarpa como Souto de Moura recusam a neutralidade da intervenção e projectam a partir de uma gramática onde o gesto arquitectónico se constitui como enunciação crítica e operativa das opções metodológicas. Ao explorar os materiais enquanto vectores de significação, ambos os autores evidenciam o papel activo da matéria na construção de uma linguagem arquitectónica que articula, com sensibilidade e fundamentação, a memória do lugar e a contemporaneidade do gesto projectual, aproximando-se da concepção de Kenneth Frampton ao descrever uma “tectónica expressiva enquanto poética da materialidade”(1).
Materialidade do restauro de Scarpa no Castelvecchio quando separa, claramente, a sua intervenção do pré-existente. A neutralidade do material escolhido permite a facilidade dessa leitura.
Scarpa, num contexto e período histórico diferentes, desenvolve uma linguagem caracterizada por uma grande intensidade visual na sua relação com a pré-existência e de análise crítica cuidada na depuração desta como elemento histórico identificável e reconhecível.
No Castelvecchio foram utilizados vários tipos de mármore e pedra para criar pavimentos, o rodapé em torno desses pavimentos, e para revestir paredes internas e externas. A razão que orientou Scarpa para uma escolha de materiais locais não foi só por esta ser a opção mais económica mas, também, por uma vontade declarada do arquitecto de reclamar uma tradição da arquitectura veronesa. A reestruturação do interior do Museu “nasce de um constante jogo entre as superfícies trabalhadas de diferentes materiais”(2). Entre esses materiais podemos identificar a pietra di prun, a pietra tenera di Vicenza, o marmore rosso Verona e o marmore verdi Alpi.
Painel que oculta o acesso aos quartos de banho, rebocado com cores expressivas, assumindo a alteração de linguagem.
O revestimento externo do antigo altar, em pietra di prun, altera segundo a paleta cromática branco, rosa, vermelho e malva, com superfícies lisas e rugosas.
Os acabamentos utilizados são de reboco rústico, à base de cal hidratada e aplicação de inertes. Foram utilizados estes acabamentos de forma a dar luminosidade aos espaços e uma superfície compacta aos planos. O reboco no exterior do edifício é em cor cinzenta, áspero, sem nenhuma pintura final, para que fosse evidente a natureza dos materiais que o compõe.
A fachada da galeria tem um reboco muito poroso, existindo dois cortes rectangulares que colocam a nu a estrutura da muralha oitocentista da antiga caserna.
Intervenção de recuperação do Museu do Castelvecchio em Verona, pelo Arquitecto italiano Carlo Scarpa (1958).
O acabamento na parede divisória entre a galeria e os sanitários em cal lisa, de cor vermelho pompeiano, e outra parte da mesma divisória, pintada em azul, assumem-se como um elemento moderno que introduz uma valência nova aquela estrutura.
O betão armado foi utilizado para reforçar as estruturas pré-existentes, tendo sido aproveitado por Scarpa como uma mesa de experimentação de texturas que dialogam com os materiais antigos do edifício, simulando, na maior parte das vezes, os veios da madeira.
Como sublinha Frampton, Carlo Scarpa “apresenta-nos uma sintaxe táctil (...), transformada em evidentes transições entre áspero e suave, de polido para mate, de trabalhado para não trabalhado”(3).
Pormenor dos materiais que compõem o revestimento externo do antigo altar.
(1) K. Frampton “Studies in Tectonic Culture: The Poetics of Construction in Nineteenth and Twentieth Century Architecture”, The MIT Press, Cambridge, 1995, p.305.
(2) K. Frampton, “Carlo Scarpa and the Adoration of the Joint”, Cambridge 1995, p.321.
(3) K. Frampton, Ibidem p.322.
Publicado
Arq. Pedro Daniel Faria | Fundador da FARIA+ARQUITECTOS
Da Metodologia e dos Materiais
Dando continuidade à análise iniciada na Parte I, centrada na intervenção de Eduardo Souto de Moura no Mosteiro de Santa Maria do Bouro, esta segunda parte propõe um aprofundamento do contributo de Carlo Scarpa no contexto da reabilitação contemporânea, com foco no emblemático projecto de reabilitação do edifício do Castelvecchio, em 1958, em Verona (Itália), enquanto caso paradigmático dessa “nova sintaxe” de interpretação individual e única dos vestígios físicos da história de um edifício.
Tanto Scarpa como Souto de Moura recusam a neutralidade da intervenção e projectam a partir de uma gramática onde o gesto arquitectónico se constitui como enunciação crítica e operativa das opções metodológicas. Ao explorar os materiais enquanto vectores de significação, ambos os autores evidenciam o papel activo da matéria na construção de uma linguagem arquitectónica que articula, com sensibilidade e fundamentação, a memória do lugar e a contemporaneidade do gesto projectual, aproximando-se da concepção de Kenneth Frampton ao descrever uma “tectónica expressiva enquanto poética da materialidade”(1).
Materialidade do restauro de Scarpa no Castelvecchio quando separa, claramente, a sua intervenção do pré-existente. A neutralidade do material escolhido permite a facilidade dessa leitura.
Scarpa, num contexto e período histórico diferentes, desenvolve uma linguagem caracterizada por uma grande intensidade visual na sua relação com a pré-existência e de análise crítica cuidada na depuração desta como elemento histórico identificável e reconhecível.
No Castelvecchio foram utilizados vários tipos de mármore e pedra para criar pavimentos, o rodapé em torno desses pavimentos, e para revestir paredes internas e externas. A razão que orientou Scarpa para uma escolha de materiais locais não foi só por esta ser a opção mais económica mas, também, por uma vontade declarada do arquitecto de reclamar uma tradição da arquitectura veronesa. A reestruturação do interior do Museu “nasce de um constante jogo entre as superfícies trabalhadas de diferentes materiais”(2). Entre esses materiais podemos identificar a pietra di prun, a pietra tenera di Vicenza, o marmore rosso Verona e o marmore verdi Alpi.
Painel que oculta o acesso aos quartos de banho, rebocado com cores expressivas, assumindo a alteração de linguagem.
O revestimento externo do antigo altar, em pietra di prun, altera segundo a paleta cromática branco, rosa, vermelho e malva, com superfícies lisas e rugosas.
Os acabamentos utilizados são de reboco rústico, à base de cal hidratada e aplicação de inertes. Foram utilizados estes acabamentos de forma a dar luminosidade aos espaços e uma superfície compacta aos planos. O reboco no exterior do edifício é em cor cinzenta, áspero, sem nenhuma pintura final, para que fosse evidente a natureza dos materiais que o compõe.
A fachada da galeria tem um reboco muito poroso, existindo dois cortes rectangulares que colocam a nu a estrutura da muralha oitocentista da antiga caserna.
Intervenção de recuperação do Museu do Castelvecchio em Verona, pelo Arquitecto italiano Carlo Scarpa (1958).
O acabamento na parede divisória entre a galeria e os sanitários em cal lisa, de cor vermelho pompeiano, e outra parte da mesma divisória, pintada em azul, assumem-se como um elemento moderno que introduz uma valência nova aquela estrutura.
O betão armado foi utilizado para reforçar as estruturas pré-existentes, tendo sido aproveitado por Scarpa como uma mesa de experimentação de texturas que dialogam com os materiais antigos do edifício, simulando, na maior parte das vezes, os veios da madeira.
Como sublinha Frampton, Carlo Scarpa “apresenta-nos uma sintaxe táctil (...), transformada em evidentes transições entre áspero e suave, de polido para mate, de trabalhado para não trabalhado”(3).
Pormenor dos materiais que compõem o revestimento externo do antigo altar.
(1) K. Frampton “Studies in Tectonic Culture: The Poetics of Construction in Nineteenth and Twentieth Century Architecture”, The MIT Press, Cambridge, 1995, p.305.
(2) K. Frampton, “Carlo Scarpa and the Adoration of the Joint”, Cambridge 1995, p.321.
(3) K. Frampton, Ibidem p.322.