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Publicado
Jaime Quintas
Alphalink
Autor da entrevista | Anteprojectos
1. O campus do novobanco é um bom exemplo de obra que cruza reabilitação e construção nova. Para si, o que distingue a gestão de um projeto com esta complexidade?
No caso do Novobanco a complexidade foi acrescida, pois houve uma sobreposição fortíssima entre estas duas componentes - a construção nova arrancou bem de dentro dos edifícios já existentes, tornando tudo mais desafiante.
Isto implicou pensar muito bem a forma como os projetos foram desenvolvidos e as obras contratadas. Para dar um exemplo, uma boa parte das instalações elétricas existentes foram reaproveitadas e, por muitos levantamentos que se façam, não é viável fazer um levantamento exaustivo dos circuitos, tomadas, comandos e cabos existentes. Foi necessário trazer à obra uma componente de reavaliação do projeto, que afeta também a forma como esta se contrata.
Houve muitos casos destes, coisas que afetam a contratação, os projetos e como se fazem os trabalhos.
2. Em projetos como este, o que mais complica: os edifícios existentes, os timings, os egos ou a burocracia?
A combinação de tudo isso, diria eu. Mas em qualquer projeto, seja de reabilitação, construção nova ou do que for, o tema mais desafiante e que tudo condiciona são as pessoas.
O envolvimento das pessoas, a gestão de expetativas, a comunicação com os decisores-chave que têm preocupações muito específicas, mas não dominam o desenvolvimento de projetos de construção. A gestão das pessoas e relações é, de longe, o fator mais importante e desafiante em qualquer projeto.
Os prazos só por si não são um problema, os prazos desajustados é que são. E os prazos desajustados nascem de expetativas pouco fundamentadas, que são também um problema de gestão de pessoas e comunicação.
3. Diz-se muitas vezes que reabilitar é mais difícil do que construir de raiz. Concorda? E porquê?
Sem dúvida que reabilitar é difícil e tecnicamente desafiante.
Mas o que marca os projetos de reabilitação, do ponto de vista da gestão de projeto, é a incerteza.
Qualquer projeto tem risco e incerteza, reabilitar edifícios existentes ainda mais. Por outro lado, qualquer cliente quer, naturalmente, segurança e certezas.
Este braço de ferro entre a incerteza real e a certeza pretendida acompanha todos os projetos, os de reabilitação em particular, e tem de ser muito bem gerido.
4. Qual foi o maior erro ou subvalorização que já viu acontecer num projeto de reabilitação — e que serviu de lição?
Volto à resposta anterior. Não sei se é o maior erro, mas é um dos principais fatores para que as coisas não corram bem – cairmos no erro de gerir os processos como se tudo fosse certo, quando o projeto tem imensa incerteza. Isso leva-nos a cometer muitos erros: desenvolver projetos que não servem bem a obra; contratos de empreitada muito rígidos e sem mecanismos para gerir alterações ou variações; e por aí em diante.
A lição que se retira daqui é que é fundamental que o gestor de projeto consiga gerir bem o braço de ferro entre certeza e incerteza – gerir as expetativas do cliente, não cair no erro de dizer que sim só porque o cliente insiste, etc.
5. Os gestores de projeto estão suficientemente envolvidos nas decisões estratégicas de arquitetura e engenharia em Portugal? Ou continuam a ser chamados tarde demais?
Continuam a ser chamados tarde demais.
É muito comum que o primeiro passo de um dono de obra seja contratar o projeto de arquitetura. E isso é feito sem qualquer consideração sobre a estratégia de gestão de custo de um projeto, sobre a estrutura mais adequada para a equipa de projeto (contratar arquitetura e especialidades em conjunto, contratar um gabinete único de engenharia, contratar separadamente, etc.), na gestão de fatores extra-projetos (arqueologia, solos contaminados e outros fatores) e sobre muitas outras coisas.
A estratégia de desenvolvimento de um projeto, desde o papel em branco até à entrega do edifício operacional, tem de ser muito bem pensada e planeada, e isso deve acontecer antes do arranque do projeto.
6. Que tipo de decisões evitam atrasos e derrapagens quando um edifício tem camadas de história, estrutura incerta e condicionantes urbanísticas?
A estratégia de desenvolvimento do projeto e obra tem de ser feita à medida do projeto.
Se conseguirmos antecipar trabalhos de arqueologia, por exemplo, mitigamos muito os eventuais impactos em prazo. Isto pode obrigar a contratar já uma primeira fase da obra, pois é comum a arqueologia obrigar também a trabalhos de demolição ou geotecnia.
Outro fator tem a ver com a contratação da obra. Nestes casos, o contrato por valor global, que é muito rígido e acomoda mal ajustes em obra, pode ser contraproducente. Uma série de preços tende a funcionar melhor.
Mas isto vai bater na luta entre a incerteza e a procura de certeza que já referi anteriormente. O cliente tem de entender que o processo será muito mais incerto e variável do que numa construção nova de raiz.
7. A legislação e a relação com entidades públicas (como DGPC, CCDRs ou câmaras municipais) é um entrave à boa reabilitação ou apenas mais uma variável a gerir?
Entrave é um termo forte, pois pressupõe que são processos e exigências que não servem para nada e só impactam negativamente os projetos.
Mas falta um entendimento claro do legislador e das várias entidades envolvidas sobre os impactos que estes processos têm nos projetos, seja a nível dos prazos, custo, desperdício de recursos e outros mais. E os impactos são brutais.
Sinto que há muita gente a trazer exigências aos projetos – património, energia, segurança, estabilidade, ambiente, etc. – e não há uma visão integrada do impacto que tudo isto tem nos projetos e, em última análise, na sociedade e na economia.
Acho que falta uma discussão aberta e alargada sobre o custo/benefício para a sociedade como um todo das exigências que se fazem atualmente aos projetos, para perceber se tudo faz sentido, e se é algo que, enquanto país, queremos mesmo implementar.
8. O cliente percebe sempre o que está a comprar quando inicia um projeto de reabilitação?
Cada caso é um caso.
Temos clientes muito conhecedores da indústria, que sabem bem ao que vão.
Temos clientes que não sabem nada sobre projetos e obras, e que estão conscientes que não sabem, pelo que pedem conselho e ajuda.
Temos clientes que não dominam o mundo da construção, mas por alguma razão convencem-se que a coisa é simples e não há muito que saber.
O nosso papel passa por entender muito bem o cliente e conseguir adaptar a comunicação e a forma de gestão a cada cliente específico.
9. O setor fala muito de eficiência, sustentabilidade e digitalização. Mas o que é que ninguém está a dizer — e devia estar?
Aquilo de que ninguém está a falar, e devia estar, é que falta uma visão integrada e agregada da indústria.
O setor da construção é composto por uma nuvem de funções desagregadas – projetos de arquitetura, mil e uma especialidades, obra, consultores variados, fornecedores, instaladores, entidades licenciadoras e reguladoras.
Será impossível aumentar a eficiência do setor se isso não for feito de forma integrada por todos os envolvidos.
Dou-lhe um exemplo: não há uma visão consolidada sobre o que é um bom projeto – onde acaba o projeto e começa a obra. Isto é um fator de eficiência fortíssimo para a indústria e não é estabelecida unilateralmente por nenhuma das funções. Tem de ser pensada e discutida de forma integrada, pois tem implicações para todos.
Sinto que falta uma visão agregada de todo o processo – do papel em branco ao edifício – com um entendimento claro de que a eficiência, sustentabilidade e digitalização apenas acontecem se pensarmos na indústria de forma integrada.
10. Falando de arquitetura: sente que existe diálogo suficiente entre a ambição estética e a execução realista nas obras?
Vai havendo, mas poderia haver mais.
A forma como os projetistas desenvolvem o seu trabalho tem um impacto enorme no desenvolvimento do projeto como um todo – na gestão do custo, na contratação das obras, no faseamento, na gestão do risco e incerteza, entre outros.
Sinto que há ainda uma preocupação forte com o produto final (que tem de haver), mas negligencia-se esta componente do projeto enquanto ferramenta para gestão e execução da obra.
11. Que relação deve ter um gestor de projeto com o arquiteto? A experiência mostra mais colaboração ou mais tensão?
Curiosamente os arquitetos são dos nossos maiores referenciadores, que nos apresentam a clientes e nos puxam para projetos.
Trata-se de equipas que entendem a necessidade da gestão do projeto, e que esta contribui para que possam trabalhar de forma mais eficiente e no final, façam melhor o seu trabalho.
Mas há ainda muitos casos em que sentimos anticorpos e resistência, resultando em projetos menos colaborativos, com mais atrito e ineficiência. Penso que com o tempo e com o trabalho vamos conseguindo conquistar também estas equipas.
Tenho aqui de referir que “gestão de projeto” não é um papel bem definido. A função sofre também de alguma má fama, pois há “gestores de projeto” que não gerem verdadeiramente, apenas secretariam o projeto, distribuindo e-mails sem acrescentar verdadeiramente valor ao processo.
12. Existe um excesso de projetos “bonitos no papel” mas sem exequibilidade real? Como é que isso afeta o setor e o cliente final?
Sim, existem muitos projetos desses. O caso mais comum são projetos bonitos em papel, mas que estão completamente fora do orçamento.
Este é um papel fundamental do gestor de projeto – acompanhar o desenvolvimento dos projetos do ponto de vista do custo. É quando se projeta que se gasta o dinheiro.
O impacto no cliente é mau a vários níveis.
Tem impacto no custo e prazo, porque temos de redesenhar e fazer o infame value engineering no arranque da obra.
Mas impacta também as expetativas, pois o cliente convenceu-se que poderia ter determinado projeto e só demasiado tarde percebe que não o consegue pagar.
13. A Alphalink gere projetos na banca, hotelaria, saúde, entre outros. O que muda — e o que nunca pode falhar — independentemente do setor?
Mudam os requisitos e aspetos técnicos.
Mas todos os temas relacionados com pessoas se mantêm e, relembro, são os temas críticos para o sucesso dos projetos.
Há muitas coisas que não podem falhar, mas destacaria talvez a gestão das expetativas e a comunicação.
14. Se pudesse mudar uma coisa na forma como se trabalha a reabilitação em Portugal, o que mudava hoje?
Não tem apenas a ver com a reabilitação, tem a ver com todos os projetos.
O que vou dizer não é popular, e corro o sério risco de me estar a atirar para fora de pé… mas aqui vai!
Há um problema na indústria no que à qualidade dos projetos diz respeito. Parece haver receio de falar sobre isto abertamente, mas qualquer conversa em privado com quem trabalha na indústria acaba invariavelmente a falar do problema dos projetos.
Os projetistas não gostam de ouvir isto, e sinto que evitam a conversa, mas a verdade é que os projetos estão a chegar à obra com falhas, incompatibilidades, pouco desenvolvidos e outros problemas.
A responsabilidade disto, contrariamente ao que possa parecer, não é dos projetistas, é de toda a indústria!
Os projetos precisam de mais tempo, de mais recursos, de mais dinheiro. E isso tem de ser discutido abertamente, não pode ser um tabu.
Mas o principal sintoma é que os projetos estão a chegar mal às obras, e todos – projetistas, clientes, a economia e a sociedade como um todo – são prejudicados por isso.
15. E se tivesse de escolher um projeto que resuma tudo o que acredita ser uma boa gestão de projeto — qual escolheria e porquê?
Era bom conseguir identificar o projeto perfeito, mas não consigo.
É outro dos tabus da indústria – falar em público das dificuldades e do que corre mal. Mas a verdade é que desenvolver um projeto na indústria da construção é brutalmente complexo. É difícil. É exigente.
Consigo apontar casos de projetos em que a gestão de custo foi um sucesso (exemplos: Edifício Mutual no Porto, PHC, Miniclip, Abreu Advogados, VdA, entre outros) outros em que a gestão das expetativas correu muito bem (exemplos: Novobanco, Timeout Market, Teatro Tivoli, Hotel Locke de Santa Joana), outros ainda em que o tempo foi muito bem gerido (exemplos: Novobanco, Miranda Advogados, Floene, Cisco).
Mas não consigo encontrar um caso em que não tenha havido problemas, ou desafios difíceis de ultrapassar.
16. Como imagina o futuro da construção e da reabilitação em Portugal nos próximos 10 anos? E que papel pode ter a gestão de projeto nesse cenário?
Vejo um futuro de grande complexidade organizacional.
A indústria da construção está a sofrer um aumento fortíssimo a esse nível.
Os projetos envolvem cada vez mais especialidades e consultores.
Os requisitos e exigências nascem de todos os lados, são cada vez mais e mais fortes – regulamentação, certificações, regras internacionais, etc.
A componente técnica e tecnológica dos edifícios é cada vez mais complexa e especializada.
E isto só vai aumentar nos próximos 10 anos, parece-me.
Resulta daqui que os projetos terão de ser cada vez mais um trabalho de equipa, com equipas maiores, e em que todos seremos mais especializados.
A articulação entre todos será cada vez mais importante, e esse é um dos papéis da gestão de projetos.
17. A Alphalink tem experiência com práticas internacionais. O que fazemos melhor em Portugal — e o que ainda precisamos de aprender com lá fora?
Não tenho a visão do “lá fora é que é”, que os outros vão à nossa frente e temos de ir ver o que estão a fazer.
Trabalhamos com imensas equipas internacionais, das mais variadas origens, e o que aprendemos é que há coisas que funcionam melhor noutros mercados e há outras que funcionam pior. Podemos aprender com os outros, mas temos também coisas a ensinar.
Dito isto, e desculpem-me a repetição, há um fator que me parece que temos de mudar – a valorização dos projetos. Há mercados em que o projeto é muito mais valorizado e tem um peso maior, tanto em valor de honorários como em tempo de desenvolvimento, e tudo indica que isso compensa e é um fator de eficiência muito importante.
Façamos o que fizermos, temos de dar muito mais valor aos projetos. Sem bons projetos nunca se farão boas obras.
Publicado
Jaime Quintas
Alphalink
Autor da entrevista | Anteprojectos
1. O campus do novobanco é um bom exemplo de obra que cruza reabilitação e construção nova. Para si, o que distingue a gestão de um projeto com esta complexidade?
No caso do Novobanco a complexidade foi acrescida, pois houve uma sobreposição fortíssima entre estas duas componentes - a construção nova arrancou bem de dentro dos edifícios já existentes, tornando tudo mais desafiante.
Isto implicou pensar muito bem a forma como os projetos foram desenvolvidos e as obras contratadas. Para dar um exemplo, uma boa parte das instalações elétricas existentes foram reaproveitadas e, por muitos levantamentos que se façam, não é viável fazer um levantamento exaustivo dos circuitos, tomadas, comandos e cabos existentes. Foi necessário trazer à obra uma componente de reavaliação do projeto, que afeta também a forma como esta se contrata.
Houve muitos casos destes, coisas que afetam a contratação, os projetos e como se fazem os trabalhos.
2. Em projetos como este, o que mais complica: os edifícios existentes, os timings, os egos ou a burocracia?
A combinação de tudo isso, diria eu. Mas em qualquer projeto, seja de reabilitação, construção nova ou do que for, o tema mais desafiante e que tudo condiciona são as pessoas.
O envolvimento das pessoas, a gestão de expetativas, a comunicação com os decisores-chave que têm preocupações muito específicas, mas não dominam o desenvolvimento de projetos de construção. A gestão das pessoas e relações é, de longe, o fator mais importante e desafiante em qualquer projeto.
Os prazos só por si não são um problema, os prazos desajustados é que são. E os prazos desajustados nascem de expetativas pouco fundamentadas, que são também um problema de gestão de pessoas e comunicação.
3. Diz-se muitas vezes que reabilitar é mais difícil do que construir de raiz. Concorda? E porquê?
Sem dúvida que reabilitar é difícil e tecnicamente desafiante.
Mas o que marca os projetos de reabilitação, do ponto de vista da gestão de projeto, é a incerteza.
Qualquer projeto tem risco e incerteza, reabilitar edifícios existentes ainda mais. Por outro lado, qualquer cliente quer, naturalmente, segurança e certezas.
Este braço de ferro entre a incerteza real e a certeza pretendida acompanha todos os projetos, os de reabilitação em particular, e tem de ser muito bem gerido.
4. Qual foi o maior erro ou subvalorização que já viu acontecer num projeto de reabilitação — e que serviu de lição?
Volto à resposta anterior. Não sei se é o maior erro, mas é um dos principais fatores para que as coisas não corram bem – cairmos no erro de gerir os processos como se tudo fosse certo, quando o projeto tem imensa incerteza. Isso leva-nos a cometer muitos erros: desenvolver projetos que não servem bem a obra; contratos de empreitada muito rígidos e sem mecanismos para gerir alterações ou variações; e por aí em diante.
A lição que se retira daqui é que é fundamental que o gestor de projeto consiga gerir bem o braço de ferro entre certeza e incerteza – gerir as expetativas do cliente, não cair no erro de dizer que sim só porque o cliente insiste, etc.
5. Os gestores de projeto estão suficientemente envolvidos nas decisões estratégicas de arquitetura e engenharia em Portugal? Ou continuam a ser chamados tarde demais?
Continuam a ser chamados tarde demais.
É muito comum que o primeiro passo de um dono de obra seja contratar o projeto de arquitetura. E isso é feito sem qualquer consideração sobre a estratégia de gestão de custo de um projeto, sobre a estrutura mais adequada para a equipa de projeto (contratar arquitetura e especialidades em conjunto, contratar um gabinete único de engenharia, contratar separadamente, etc.), na gestão de fatores extra-projetos (arqueologia, solos contaminados e outros fatores) e sobre muitas outras coisas.
A estratégia de desenvolvimento de um projeto, desde o papel em branco até à entrega do edifício operacional, tem de ser muito bem pensada e planeada, e isso deve acontecer antes do arranque do projeto.
6. Que tipo de decisões evitam atrasos e derrapagens quando um edifício tem camadas de história, estrutura incerta e condicionantes urbanísticas?
A estratégia de desenvolvimento do projeto e obra tem de ser feita à medida do projeto.
Se conseguirmos antecipar trabalhos de arqueologia, por exemplo, mitigamos muito os eventuais impactos em prazo. Isto pode obrigar a contratar já uma primeira fase da obra, pois é comum a arqueologia obrigar também a trabalhos de demolição ou geotecnia.
Outro fator tem a ver com a contratação da obra. Nestes casos, o contrato por valor global, que é muito rígido e acomoda mal ajustes em obra, pode ser contraproducente. Uma série de preços tende a funcionar melhor.
Mas isto vai bater na luta entre a incerteza e a procura de certeza que já referi anteriormente. O cliente tem de entender que o processo será muito mais incerto e variável do que numa construção nova de raiz.
7. A legislação e a relação com entidades públicas (como DGPC, CCDRs ou câmaras municipais) é um entrave à boa reabilitação ou apenas mais uma variável a gerir?
Entrave é um termo forte, pois pressupõe que são processos e exigências que não servem para nada e só impactam negativamente os projetos.
Mas falta um entendimento claro do legislador e das várias entidades envolvidas sobre os impactos que estes processos têm nos projetos, seja a nível dos prazos, custo, desperdício de recursos e outros mais. E os impactos são brutais.
Sinto que há muita gente a trazer exigências aos projetos – património, energia, segurança, estabilidade, ambiente, etc. – e não há uma visão integrada do impacto que tudo isto tem nos projetos e, em última análise, na sociedade e na economia.
Acho que falta uma discussão aberta e alargada sobre o custo/benefício para a sociedade como um todo das exigências que se fazem atualmente aos projetos, para perceber se tudo faz sentido, e se é algo que, enquanto país, queremos mesmo implementar.
8. O cliente percebe sempre o que está a comprar quando inicia um projeto de reabilitação?
Cada caso é um caso.
Temos clientes muito conhecedores da indústria, que sabem bem ao que vão.
Temos clientes que não sabem nada sobre projetos e obras, e que estão conscientes que não sabem, pelo que pedem conselho e ajuda.
Temos clientes que não dominam o mundo da construção, mas por alguma razão convencem-se que a coisa é simples e não há muito que saber.
O nosso papel passa por entender muito bem o cliente e conseguir adaptar a comunicação e a forma de gestão a cada cliente específico.
9. O setor fala muito de eficiência, sustentabilidade e digitalização. Mas o que é que ninguém está a dizer — e devia estar?
Aquilo de que ninguém está a falar, e devia estar, é que falta uma visão integrada e agregada da indústria.
O setor da construção é composto por uma nuvem de funções desagregadas – projetos de arquitetura, mil e uma especialidades, obra, consultores variados, fornecedores, instaladores, entidades licenciadoras e reguladoras.
Será impossível aumentar a eficiência do setor se isso não for feito de forma integrada por todos os envolvidos.
Dou-lhe um exemplo: não há uma visão consolidada sobre o que é um bom projeto – onde acaba o projeto e começa a obra. Isto é um fator de eficiência fortíssimo para a indústria e não é estabelecida unilateralmente por nenhuma das funções. Tem de ser pensada e discutida de forma integrada, pois tem implicações para todos.
Sinto que falta uma visão agregada de todo o processo – do papel em branco ao edifício – com um entendimento claro de que a eficiência, sustentabilidade e digitalização apenas acontecem se pensarmos na indústria de forma integrada.
10. Falando de arquitetura: sente que existe diálogo suficiente entre a ambição estética e a execução realista nas obras?
Vai havendo, mas poderia haver mais.
A forma como os projetistas desenvolvem o seu trabalho tem um impacto enorme no desenvolvimento do projeto como um todo – na gestão do custo, na contratação das obras, no faseamento, na gestão do risco e incerteza, entre outros.
Sinto que há ainda uma preocupação forte com o produto final (que tem de haver), mas negligencia-se esta componente do projeto enquanto ferramenta para gestão e execução da obra.
11. Que relação deve ter um gestor de projeto com o arquiteto? A experiência mostra mais colaboração ou mais tensão?
Curiosamente os arquitetos são dos nossos maiores referenciadores, que nos apresentam a clientes e nos puxam para projetos.
Trata-se de equipas que entendem a necessidade da gestão do projeto, e que esta contribui para que possam trabalhar de forma mais eficiente e no final, façam melhor o seu trabalho.
Mas há ainda muitos casos em que sentimos anticorpos e resistência, resultando em projetos menos colaborativos, com mais atrito e ineficiência. Penso que com o tempo e com o trabalho vamos conseguindo conquistar também estas equipas.
Tenho aqui de referir que “gestão de projeto” não é um papel bem definido. A função sofre também de alguma má fama, pois há “gestores de projeto” que não gerem verdadeiramente, apenas secretariam o projeto, distribuindo e-mails sem acrescentar verdadeiramente valor ao processo.
12. Existe um excesso de projetos “bonitos no papel” mas sem exequibilidade real? Como é que isso afeta o setor e o cliente final?
Sim, existem muitos projetos desses. O caso mais comum são projetos bonitos em papel, mas que estão completamente fora do orçamento.
Este é um papel fundamental do gestor de projeto – acompanhar o desenvolvimento dos projetos do ponto de vista do custo. É quando se projeta que se gasta o dinheiro.
O impacto no cliente é mau a vários níveis.
Tem impacto no custo e prazo, porque temos de redesenhar e fazer o infame value engineering no arranque da obra.
Mas impacta também as expetativas, pois o cliente convenceu-se que poderia ter determinado projeto e só demasiado tarde percebe que não o consegue pagar.
13. A Alphalink gere projetos na banca, hotelaria, saúde, entre outros. O que muda — e o que nunca pode falhar — independentemente do setor?
Mudam os requisitos e aspetos técnicos.
Mas todos os temas relacionados com pessoas se mantêm e, relembro, são os temas críticos para o sucesso dos projetos.
Há muitas coisas que não podem falhar, mas destacaria talvez a gestão das expetativas e a comunicação.
14. Se pudesse mudar uma coisa na forma como se trabalha a reabilitação em Portugal, o que mudava hoje?
Não tem apenas a ver com a reabilitação, tem a ver com todos os projetos.
O que vou dizer não é popular, e corro o sério risco de me estar a atirar para fora de pé… mas aqui vai!
Há um problema na indústria no que à qualidade dos projetos diz respeito. Parece haver receio de falar sobre isto abertamente, mas qualquer conversa em privado com quem trabalha na indústria acaba invariavelmente a falar do problema dos projetos.
Os projetistas não gostam de ouvir isto, e sinto que evitam a conversa, mas a verdade é que os projetos estão a chegar à obra com falhas, incompatibilidades, pouco desenvolvidos e outros problemas.
A responsabilidade disto, contrariamente ao que possa parecer, não é dos projetistas, é de toda a indústria!
Os projetos precisam de mais tempo, de mais recursos, de mais dinheiro. E isso tem de ser discutido abertamente, não pode ser um tabu.
Mas o principal sintoma é que os projetos estão a chegar mal às obras, e todos – projetistas, clientes, a economia e a sociedade como um todo – são prejudicados por isso.
15. E se tivesse de escolher um projeto que resuma tudo o que acredita ser uma boa gestão de projeto — qual escolheria e porquê?
Era bom conseguir identificar o projeto perfeito, mas não consigo.
É outro dos tabus da indústria – falar em público das dificuldades e do que corre mal. Mas a verdade é que desenvolver um projeto na indústria da construção é brutalmente complexo. É difícil. É exigente.
Consigo apontar casos de projetos em que a gestão de custo foi um sucesso (exemplos: Edifício Mutual no Porto, PHC, Miniclip, Abreu Advogados, VdA, entre outros) outros em que a gestão das expetativas correu muito bem (exemplos: Novobanco, Timeout Market, Teatro Tivoli, Hotel Locke de Santa Joana), outros ainda em que o tempo foi muito bem gerido (exemplos: Novobanco, Miranda Advogados, Floene, Cisco).
Mas não consigo encontrar um caso em que não tenha havido problemas, ou desafios difíceis de ultrapassar.
16. Como imagina o futuro da construção e da reabilitação em Portugal nos próximos 10 anos? E que papel pode ter a gestão de projeto nesse cenário?
Vejo um futuro de grande complexidade organizacional.
A indústria da construção está a sofrer um aumento fortíssimo a esse nível.
Os projetos envolvem cada vez mais especialidades e consultores.
Os requisitos e exigências nascem de todos os lados, são cada vez mais e mais fortes – regulamentação, certificações, regras internacionais, etc.
A componente técnica e tecnológica dos edifícios é cada vez mais complexa e especializada.
E isto só vai aumentar nos próximos 10 anos, parece-me.
Resulta daqui que os projetos terão de ser cada vez mais um trabalho de equipa, com equipas maiores, e em que todos seremos mais especializados.
A articulação entre todos será cada vez mais importante, e esse é um dos papéis da gestão de projetos.
17. A Alphalink tem experiência com práticas internacionais. O que fazemos melhor em Portugal — e o que ainda precisamos de aprender com lá fora?
Não tenho a visão do “lá fora é que é”, que os outros vão à nossa frente e temos de ir ver o que estão a fazer.
Trabalhamos com imensas equipas internacionais, das mais variadas origens, e o que aprendemos é que há coisas que funcionam melhor noutros mercados e há outras que funcionam pior. Podemos aprender com os outros, mas temos também coisas a ensinar.
Dito isto, e desculpem-me a repetição, há um fator que me parece que temos de mudar – a valorização dos projetos. Há mercados em que o projeto é muito mais valorizado e tem um peso maior, tanto em valor de honorários como em tempo de desenvolvimento, e tudo indica que isso compensa e é um fator de eficiência muito importante.
Façamos o que fizermos, temos de dar muito mais valor aos projetos. Sem bons projetos nunca se farão boas obras.
Publicado
Jaime Quintas
Alphalink
Autor da entrevista | Anteprojectos
1. O campus do novobanco é um bom exemplo de obra que cruza reabilitação e construção nova. Para si, o que distingue a gestão de um projeto com esta complexidade?
No caso do Novobanco a complexidade foi acrescida, pois houve uma sobreposição fortíssima entre estas duas componentes - a construção nova arrancou bem de dentro dos edifícios já existentes, tornando tudo mais desafiante.
Isto implicou pensar muito bem a forma como os projetos foram desenvolvidos e as obras contratadas. Para dar um exemplo, uma boa parte das instalações elétricas existentes foram reaproveitadas e, por muitos levantamentos que se façam, não é viável fazer um levantamento exaustivo dos circuitos, tomadas, comandos e cabos existentes. Foi necessário trazer à obra uma componente de reavaliação do projeto, que afeta também a forma como esta se contrata.
Houve muitos casos destes, coisas que afetam a contratação, os projetos e como se fazem os trabalhos.
2. Em projetos como este, o que mais complica: os edifícios existentes, os timings, os egos ou a burocracia?
A combinação de tudo isso, diria eu. Mas em qualquer projeto, seja de reabilitação, construção nova ou do que for, o tema mais desafiante e que tudo condiciona são as pessoas.
O envolvimento das pessoas, a gestão de expetativas, a comunicação com os decisores-chave que têm preocupações muito específicas, mas não dominam o desenvolvimento de projetos de construção. A gestão das pessoas e relações é, de longe, o fator mais importante e desafiante em qualquer projeto.
Os prazos só por si não são um problema, os prazos desajustados é que são. E os prazos desajustados nascem de expetativas pouco fundamentadas, que são também um problema de gestão de pessoas e comunicação.
3. Diz-se muitas vezes que reabilitar é mais difícil do que construir de raiz. Concorda? E porquê?
Sem dúvida que reabilitar é difícil e tecnicamente desafiante.
Mas o que marca os projetos de reabilitação, do ponto de vista da gestão de projeto, é a incerteza.
Qualquer projeto tem risco e incerteza, reabilitar edifícios existentes ainda mais. Por outro lado, qualquer cliente quer, naturalmente, segurança e certezas.
Este braço de ferro entre a incerteza real e a certeza pretendida acompanha todos os projetos, os de reabilitação em particular, e tem de ser muito bem gerido.
4. Qual foi o maior erro ou subvalorização que já viu acontecer num projeto de reabilitação — e que serviu de lição?
Volto à resposta anterior. Não sei se é o maior erro, mas é um dos principais fatores para que as coisas não corram bem – cairmos no erro de gerir os processos como se tudo fosse certo, quando o projeto tem imensa incerteza. Isso leva-nos a cometer muitos erros: desenvolver projetos que não servem bem a obra; contratos de empreitada muito rígidos e sem mecanismos para gerir alterações ou variações; e por aí em diante.
A lição que se retira daqui é que é fundamental que o gestor de projeto consiga gerir bem o braço de ferro entre certeza e incerteza – gerir as expetativas do cliente, não cair no erro de dizer que sim só porque o cliente insiste, etc.
5. Os gestores de projeto estão suficientemente envolvidos nas decisões estratégicas de arquitetura e engenharia em Portugal? Ou continuam a ser chamados tarde demais?
Continuam a ser chamados tarde demais.
É muito comum que o primeiro passo de um dono de obra seja contratar o projeto de arquitetura. E isso é feito sem qualquer consideração sobre a estratégia de gestão de custo de um projeto, sobre a estrutura mais adequada para a equipa de projeto (contratar arquitetura e especialidades em conjunto, contratar um gabinete único de engenharia, contratar separadamente, etc.), na gestão de fatores extra-projetos (arqueologia, solos contaminados e outros fatores) e sobre muitas outras coisas.
A estratégia de desenvolvimento de um projeto, desde o papel em branco até à entrega do edifício operacional, tem de ser muito bem pensada e planeada, e isso deve acontecer antes do arranque do projeto.
6. Que tipo de decisões evitam atrasos e derrapagens quando um edifício tem camadas de história, estrutura incerta e condicionantes urbanísticas?
A estratégia de desenvolvimento do projeto e obra tem de ser feita à medida do projeto.
Se conseguirmos antecipar trabalhos de arqueologia, por exemplo, mitigamos muito os eventuais impactos em prazo. Isto pode obrigar a contratar já uma primeira fase da obra, pois é comum a arqueologia obrigar também a trabalhos de demolição ou geotecnia.
Outro fator tem a ver com a contratação da obra. Nestes casos, o contrato por valor global, que é muito rígido e acomoda mal ajustes em obra, pode ser contraproducente. Uma série de preços tende a funcionar melhor.
Mas isto vai bater na luta entre a incerteza e a procura de certeza que já referi anteriormente. O cliente tem de entender que o processo será muito mais incerto e variável do que numa construção nova de raiz.
7. A legislação e a relação com entidades públicas (como DGPC, CCDRs ou câmaras municipais) é um entrave à boa reabilitação ou apenas mais uma variável a gerir?
Entrave é um termo forte, pois pressupõe que são processos e exigências que não servem para nada e só impactam negativamente os projetos.
Mas falta um entendimento claro do legislador e das várias entidades envolvidas sobre os impactos que estes processos têm nos projetos, seja a nível dos prazos, custo, desperdício de recursos e outros mais. E os impactos são brutais.
Sinto que há muita gente a trazer exigências aos projetos – património, energia, segurança, estabilidade, ambiente, etc. – e não há uma visão integrada do impacto que tudo isto tem nos projetos e, em última análise, na sociedade e na economia.
Acho que falta uma discussão aberta e alargada sobre o custo/benefício para a sociedade como um todo das exigências que se fazem atualmente aos projetos, para perceber se tudo faz sentido, e se é algo que, enquanto país, queremos mesmo implementar.
8. O cliente percebe sempre o que está a comprar quando inicia um projeto de reabilitação?
Cada caso é um caso.
Temos clientes muito conhecedores da indústria, que sabem bem ao que vão.
Temos clientes que não sabem nada sobre projetos e obras, e que estão conscientes que não sabem, pelo que pedem conselho e ajuda.
Temos clientes que não dominam o mundo da construção, mas por alguma razão convencem-se que a coisa é simples e não há muito que saber.
O nosso papel passa por entender muito bem o cliente e conseguir adaptar a comunicação e a forma de gestão a cada cliente específico.
9. O setor fala muito de eficiência, sustentabilidade e digitalização. Mas o que é que ninguém está a dizer — e devia estar?
Aquilo de que ninguém está a falar, e devia estar, é que falta uma visão integrada e agregada da indústria.
O setor da construção é composto por uma nuvem de funções desagregadas – projetos de arquitetura, mil e uma especialidades, obra, consultores variados, fornecedores, instaladores, entidades licenciadoras e reguladoras.
Será impossível aumentar a eficiência do setor se isso não for feito de forma integrada por todos os envolvidos.
Dou-lhe um exemplo: não há uma visão consolidada sobre o que é um bom projeto – onde acaba o projeto e começa a obra. Isto é um fator de eficiência fortíssimo para a indústria e não é estabelecida unilateralmente por nenhuma das funções. Tem de ser pensada e discutida de forma integrada, pois tem implicações para todos.
Sinto que falta uma visão agregada de todo o processo – do papel em branco ao edifício – com um entendimento claro de que a eficiência, sustentabilidade e digitalização apenas acontecem se pensarmos na indústria de forma integrada.
10. Falando de arquitetura: sente que existe diálogo suficiente entre a ambição estética e a execução realista nas obras?
Vai havendo, mas poderia haver mais.
A forma como os projetistas desenvolvem o seu trabalho tem um impacto enorme no desenvolvimento do projeto como um todo – na gestão do custo, na contratação das obras, no faseamento, na gestão do risco e incerteza, entre outros.
Sinto que há ainda uma preocupação forte com o produto final (que tem de haver), mas negligencia-se esta componente do projeto enquanto ferramenta para gestão e execução da obra.
11. Que relação deve ter um gestor de projeto com o arquiteto? A experiência mostra mais colaboração ou mais tensão?
Curiosamente os arquitetos são dos nossos maiores referenciadores, que nos apresentam a clientes e nos puxam para projetos.
Trata-se de equipas que entendem a necessidade da gestão do projeto, e que esta contribui para que possam trabalhar de forma mais eficiente e no final, façam melhor o seu trabalho.
Mas há ainda muitos casos em que sentimos anticorpos e resistência, resultando em projetos menos colaborativos, com mais atrito e ineficiência. Penso que com o tempo e com o trabalho vamos conseguindo conquistar também estas equipas.
Tenho aqui de referir que “gestão de projeto” não é um papel bem definido. A função sofre também de alguma má fama, pois há “gestores de projeto” que não gerem verdadeiramente, apenas secretariam o projeto, distribuindo e-mails sem acrescentar verdadeiramente valor ao processo.
12. Existe um excesso de projetos “bonitos no papel” mas sem exequibilidade real? Como é que isso afeta o setor e o cliente final?
Sim, existem muitos projetos desses. O caso mais comum são projetos bonitos em papel, mas que estão completamente fora do orçamento.
Este é um papel fundamental do gestor de projeto – acompanhar o desenvolvimento dos projetos do ponto de vista do custo. É quando se projeta que se gasta o dinheiro.
O impacto no cliente é mau a vários níveis.
Tem impacto no custo e prazo, porque temos de redesenhar e fazer o infame value engineering no arranque da obra.
Mas impacta também as expetativas, pois o cliente convenceu-se que poderia ter determinado projeto e só demasiado tarde percebe que não o consegue pagar.
13. A Alphalink gere projetos na banca, hotelaria, saúde, entre outros. O que muda — e o que nunca pode falhar — independentemente do setor?
Mudam os requisitos e aspetos técnicos.
Mas todos os temas relacionados com pessoas se mantêm e, relembro, são os temas críticos para o sucesso dos projetos.
Há muitas coisas que não podem falhar, mas destacaria talvez a gestão das expetativas e a comunicação.
14. Se pudesse mudar uma coisa na forma como se trabalha a reabilitação em Portugal, o que mudava hoje?
Não tem apenas a ver com a reabilitação, tem a ver com todos os projetos.
O que vou dizer não é popular, e corro o sério risco de me estar a atirar para fora de pé… mas aqui vai!
Há um problema na indústria no que à qualidade dos projetos diz respeito. Parece haver receio de falar sobre isto abertamente, mas qualquer conversa em privado com quem trabalha na indústria acaba invariavelmente a falar do problema dos projetos.
Os projetistas não gostam de ouvir isto, e sinto que evitam a conversa, mas a verdade é que os projetos estão a chegar à obra com falhas, incompatibilidades, pouco desenvolvidos e outros problemas.
A responsabilidade disto, contrariamente ao que possa parecer, não é dos projetistas, é de toda a indústria!
Os projetos precisam de mais tempo, de mais recursos, de mais dinheiro. E isso tem de ser discutido abertamente, não pode ser um tabu.
Mas o principal sintoma é que os projetos estão a chegar mal às obras, e todos – projetistas, clientes, a economia e a sociedade como um todo – são prejudicados por isso.
15. E se tivesse de escolher um projeto que resuma tudo o que acredita ser uma boa gestão de projeto — qual escolheria e porquê?
Era bom conseguir identificar o projeto perfeito, mas não consigo.
É outro dos tabus da indústria – falar em público das dificuldades e do que corre mal. Mas a verdade é que desenvolver um projeto na indústria da construção é brutalmente complexo. É difícil. É exigente.
Consigo apontar casos de projetos em que a gestão de custo foi um sucesso (exemplos: Edifício Mutual no Porto, PHC, Miniclip, Abreu Advogados, VdA, entre outros) outros em que a gestão das expetativas correu muito bem (exemplos: Novobanco, Timeout Market, Teatro Tivoli, Hotel Locke de Santa Joana), outros ainda em que o tempo foi muito bem gerido (exemplos: Novobanco, Miranda Advogados, Floene, Cisco).
Mas não consigo encontrar um caso em que não tenha havido problemas, ou desafios difíceis de ultrapassar.
16. Como imagina o futuro da construção e da reabilitação em Portugal nos próximos 10 anos? E que papel pode ter a gestão de projeto nesse cenário?
Vejo um futuro de grande complexidade organizacional.
A indústria da construção está a sofrer um aumento fortíssimo a esse nível.
Os projetos envolvem cada vez mais especialidades e consultores.
Os requisitos e exigências nascem de todos os lados, são cada vez mais e mais fortes – regulamentação, certificações, regras internacionais, etc.
A componente técnica e tecnológica dos edifícios é cada vez mais complexa e especializada.
E isto só vai aumentar nos próximos 10 anos, parece-me.
Resulta daqui que os projetos terão de ser cada vez mais um trabalho de equipa, com equipas maiores, e em que todos seremos mais especializados.
A articulação entre todos será cada vez mais importante, e esse é um dos papéis da gestão de projetos.
17. A Alphalink tem experiência com práticas internacionais. O que fazemos melhor em Portugal — e o que ainda precisamos de aprender com lá fora?
Não tenho a visão do “lá fora é que é”, que os outros vão à nossa frente e temos de ir ver o que estão a fazer.
Trabalhamos com imensas equipas internacionais, das mais variadas origens, e o que aprendemos é que há coisas que funcionam melhor noutros mercados e há outras que funcionam pior. Podemos aprender com os outros, mas temos também coisas a ensinar.
Dito isto, e desculpem-me a repetição, há um fator que me parece que temos de mudar – a valorização dos projetos. Há mercados em que o projeto é muito mais valorizado e tem um peso maior, tanto em valor de honorários como em tempo de desenvolvimento, e tudo indica que isso compensa e é um fator de eficiência muito importante.
Façamos o que fizermos, temos de dar muito mais valor aos projetos. Sem bons projetos nunca se farão boas obras.