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Do Artesanato ao Design: um trabalho com identidade própria

Categoria:  ReportagensCategoria:  Artigos Técnicos

Publicado

Revista Anteprojectos - Agosto 2018 - pg30g

Revista Anteprojectos - Agosto 2018 - pg30bO que o fez deixar o jornalismo para enveredar pela arte?

Em bom rigor, não se tratou de deixar o jornalismo para abraçar a arte… foi antes um caminho, sem qualquer planeamento, que encontrei, quase por acaso, depois de ter posto o jornalismo de parte. Saí da RTP em 2003, para fundar a minha própria produtora de vídeo, que criei com colegas que também tinham saído da televisão pública. Estive ligado a este novo projeto de comunicação até 2006, altura em que saí por opção. Só depois, nesse mesmo ano, comecei a desenvolver esta minha faceta de artesão.

Como nasceu o seu interesse pela produção destas peças?

Nasceu de uma casualidade. Um amigo meu ofereceu-me uma cadeira alentejana com o assento em palhinha. O assento estava danificado e eu decidi retirar-lhe todo o material estragado, deixando apenas a estrutura em madeira.

Revista Anteprojectos - Agosto 2018 - pg30cRecuperei a estrutura e depois de olhar bem para a cadeira, acabei por lhe dar uma nova vida, usando a lã para fazer o assento. A escolha da lã de Arraiolos como matéria-prima deveu-se apenas ao facto de ser o material que tinha à mão, dado que a minha mãe além de professora, fazia tapetes de Arraiolos. É claro que este processo, até decidir usar a lã para fazer o assento, demorou o seu tempo, mas fazer o assento em lã, propriamente dito, foi imediato. Recorri à técnica base da tecelagem. A cadeira funcionou como um tear. Construí a teia e depois fiz a trama. Ou seja, o entrelaçado final.

Este foi o princípio de tudo, depois foi replicar vezes sem conta, para apurar a técnica, numa primeira fase. De seguida novas técnicas e novos objetos foram criados.

Onde se inspira para criar e que mensagem pretende passar com as suas peças?

A fonte de inspiração é muito relativa. Muitas vezes é um processo inconsciente, diria. Porque resulta de um somatório de vivências e experiências… por exemplo, posso inspirar-me na natureza, pelas cores ou por formas. Acontece o mesmo com a arquitetura.

Relativamente à mensagem que pretendo passar, prende-se sobretudo com o devolver a importância ao trabalho artesanal.

É o maior prazer que tenho, ver uma peça nascer das minhas próprias mãos. Hoje em dia, estamos cada vez mais desligados destas relações que estão na base da nossa própria evolução. E isso, de certa forma, preocupa-me, porque nos arriscamos a perder o rasto a um sem número de tradições.

Paralelamente há no meu trabalho uma clara exaltação da cor. E faço questão de a usar como bandeira. Acredito nas propriedades terapêuticas da cor e que nas nossas casas, nas nossas vidas, somos pouco ousados no uso da mesma cor. Com o meu trabalho procuro mostrar que não devemos ter medo de usar e abusar, se for preciso, da cor.

Que matérias-primas usa com mais predominância?

A lã de Arraiolos é obviamente a minha matéria-prima de eleição e a base de todo o conceito. Além da lã, os materiais que uso são a madeira, o ferro, o aço. E outros há, que estão ainda por usar e experimentar…

Em que medida as suas criações são uma reinvenção das tradições nacionais?

Revista Anteprojectos - Agosto 2018 - pg30dSe pensarmos que Portugal foi um dos países com maior expressão ao nível dos lanifícios até ao séc. XIX e que concretamente, no caso da lã de Arraiolos, temos uma história de séculos que se mantém quase inalterada, graças ao labor das tapeteiras daquela vila alentejana, o que eu fiz foi uma reinvenção de uma tradição, sim, mas pelo uso que lhe damos.

Até criar a minha primeira marca – a água de prata – o uso da lã de Arraiolos era exclusivo da tapeçaria tradicional. Criar peças de mobiliário recorrendo à lã era impensável. Construir todo um conceito que reinventasse toda uma tradição, com uma linguagem absolutamente contemporânea, muito menos se imaginaria.

Qual a peça mais representativa até agora da sua carreira?

Revista Anteprojectos - Agosto 2018 - pg30eÉ difícil responder de uma forma direta. Todas, de uma forma ou de outra, são representativas da minha obra. Por um lado, destacaria as pedras e os pneus, pois representaram uma viragem no meu percurso como artesão e designer. Permitiram-me explorar de forma mais abrangente as características da lã e criar, assim, novas formas, uma linguagem assumidamente contemporânea, sem perder de vista o facto de que,

tanto as pedras como os pneus, têm uma forte mensagem ecológica, dado que se baseiam na reutilização e reaproveitamento de materiais, como o pneu, em si, e a tentativa de atingir o desperdício 0, com o uso do meu próprio desperdício para a base das pedras.

Por outro lado, até porque é a fase mais recente da minha obra, não posso deixar de mencionar a série orgânica que teve a sua primeira expressão com a concretização do Dodecaedro, uma escultura em ferro e lã formada por 12 pentágonos iguais… e que atualmente tenho vindo a explorar na forma de cubos, com os bancos ou mesas, da mesma série.

Qual a distinção que poderemos fazer entre Design e Arte?

Revista Anteprojectos - Agosto 2018 - pg30fMais do que procurar uma distinção ou definição, eu acredito profundamente na fusão de conceitos. Acho que a ideia de cada disciplina, cada uma em separado, está cada vez mais em desuso… e não faz sentido, porque tudo comunica, tudo se liga. E o mesmo pode acontecer com o design e a arte. Haverão especialistas que dirão o contrário, é certo. Eu acredito que a criação/conceção de objetos com um fim/solução específico, que entendemos por design, se pode considerar uma arte também, não só pela questão estética que esse objeto encerra e desperta no público, como pelas características próprias em que é manufaturado, por exemplo.

Podemos dizer que cada peça é exclusiva ou de edição limitada? Este é um requisito que cada vez tem mais procura em Portugal?

Os meus trabalhos são únicos, isso é certo. Únicos, pelo conceito, pelas cores, pela técnica e padrões utilizados e, por vezes, únicos mesmo, porque são mesmo irrepetíveis. Peças únicas. Não há outra igual. O dodecaedro, que já mencionei, é um desses casos. Não farei outro!

Dentro da singularidade de cada peça, podemos falar em exclusividade também, porque cada cliente pode escolher as cores, padrões, dimensões e até materiais a utilizar, o que torna aquela peça exclusiva. Séries limitadas, com essa real intenção de criar apenas um determinado número de peças, por enquanto, ainda não optei por essa via.

Revista Anteprojectos - Agosto 2018 - pg30gEsteve há 2 anos a representar Portugal na London Design Fair. O seu trabalho já está internacionalizado? Aspira novos mercados no estrangeiro?

Fui convidado pelo Marco Sousa Santos, comissário da exposição que o AICEP organizou, para ser um dos representantes de Portugal na London Design Fair em 2017. Foi uma ótima experiência. Para repetir, definitivamente. Já tinha sido convidado para representar o país na Palermo Design Week, em 2010,

em Itália. É muito importante ter a oportunidade de mostrar o nosso trabalho lá fora. Explorar novos mercados, conhecer novos públicos, contactar com outras linguagens. É sempre enriquecedor.

No seu entender o crescimento dos empreendimentos turísticos em Portugal veio ajudar a uma maior procura de peças que de alguma forma espelhem as tradições do país, ou sejam representativas do artesanato português?

Podemos fazer essa leitura. Acho que além do crescimento dos empreendimentos turísticos, temos assistido igualmente a um novo olhar sobre aquilo que efetivamente somos, sobre aquilo que nos traduz enquanto povo ou cultura. Aquilo que, para alguns, na viragem deste século, era sinónimo de popular, artesanal (e isso significava não ter qualidade) de repente e muito à custa da forma como outros países começaram a olhar para aquilo que é genuinamente português, tudo se transformou e nalguns casos readquiriu o simbolismo e a importância que parecia ter perdido.

QuartoSala - Home Culture | Loja 1- Lisboa, Paço d’Arcos | Loja 2- Lisboa, Príncipe Real

Tel. +351 21 441 11 10 | www.quartosala.com

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Contacto

Ângela Leitão

aleitao@anteprojectos.com.pt

Directora Geral

Av. Álvares Cabral, nº 61, 6º andar | 1250-017 Lisboa

Telefone 211 308 758 / 966 863 541

Do Artesanato ao Design: um trabalho com identidade própria

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Revista Anteprojectos - Agosto 2018 - pg30bO que o fez deixar o jornalismo para enveredar pela arte?

Em bom rigor, não se tratou de deixar o jornalismo para abraçar a arte… foi antes um caminho, sem qualquer planeamento, que encontrei, quase por acaso, depois de ter posto o jornalismo de parte. Saí da RTP em 2003, para fundar a minha própria produtora de vídeo, que criei com colegas que também tinham saído da televisão pública. Estive ligado a este novo projeto de comunicação até 2006, altura em que saí por opção. Só depois, nesse mesmo ano, comecei a desenvolver esta minha faceta de artesão.

Como nasceu o seu interesse pela produção destas peças?

Nasceu de uma casualidade. Um amigo meu ofereceu-me uma cadeira alentejana com o assento em palhinha. O assento estava danificado e eu decidi retirar-lhe todo o material estragado, deixando apenas a estrutura em madeira.

Revista Anteprojectos - Agosto 2018 - pg30cRecuperei a estrutura e depois de olhar bem para a cadeira, acabei por lhe dar uma nova vida, usando a lã para fazer o assento. A escolha da lã de Arraiolos como matéria-prima deveu-se apenas ao facto de ser o material que tinha à mão, dado que a minha mãe além de professora, fazia tapetes de Arraiolos. É claro que este processo, até decidir usar a lã para fazer o assento, demorou o seu tempo, mas fazer o assento em lã, propriamente dito, foi imediato. Recorri à técnica base da tecelagem. A cadeira funcionou como um tear. Construí a teia e depois fiz a trama. Ou seja, o entrelaçado final.

Este foi o princípio de tudo, depois foi replicar vezes sem conta, para apurar a técnica, numa primeira fase. De seguida novas técnicas e novos objetos foram criados.

Onde se inspira para criar e que mensagem pretende passar com as suas peças?

A fonte de inspiração é muito relativa. Muitas vezes é um processo inconsciente, diria. Porque resulta de um somatório de vivências e experiências… por exemplo, posso inspirar-me na natureza, pelas cores ou por formas. Acontece o mesmo com a arquitetura.

Relativamente à mensagem que pretendo passar, prende-se sobretudo com o devolver a importância ao trabalho artesanal.

É o maior prazer que tenho, ver uma peça nascer das minhas próprias mãos. Hoje em dia, estamos cada vez mais desligados destas relações que estão na base da nossa própria evolução. E isso, de certa forma, preocupa-me, porque nos arriscamos a perder o rasto a um sem número de tradições.

Paralelamente há no meu trabalho uma clara exaltação da cor. E faço questão de a usar como bandeira. Acredito nas propriedades terapêuticas da cor e que nas nossas casas, nas nossas vidas, somos pouco ousados no uso da mesma cor. Com o meu trabalho procuro mostrar que não devemos ter medo de usar e abusar, se for preciso, da cor.

Que matérias-primas usa com mais predominância?

A lã de Arraiolos é obviamente a minha matéria-prima de eleição e a base de todo o conceito. Além da lã, os materiais que uso são a madeira, o ferro, o aço. E outros há, que estão ainda por usar e experimentar…

Em que medida as suas criações são uma reinvenção das tradições nacionais?

Revista Anteprojectos - Agosto 2018 - pg30dSe pensarmos que Portugal foi um dos países com maior expressão ao nível dos lanifícios até ao séc. XIX e que concretamente, no caso da lã de Arraiolos, temos uma história de séculos que se mantém quase inalterada, graças ao labor das tapeteiras daquela vila alentejana, o que eu fiz foi uma reinvenção de uma tradição, sim, mas pelo uso que lhe damos.

Até criar a minha primeira marca – a água de prata – o uso da lã de Arraiolos era exclusivo da tapeçaria tradicional. Criar peças de mobiliário recorrendo à lã era impensável. Construir todo um conceito que reinventasse toda uma tradição, com uma linguagem absolutamente contemporânea, muito menos se imaginaria.

Qual a peça mais representativa até agora da sua carreira?

Revista Anteprojectos - Agosto 2018 - pg30eÉ difícil responder de uma forma direta. Todas, de uma forma ou de outra, são representativas da minha obra. Por um lado, destacaria as pedras e os pneus, pois representaram uma viragem no meu percurso como artesão e designer. Permitiram-me explorar de forma mais abrangente as características da lã e criar, assim, novas formas, uma linguagem assumidamente contemporânea, sem perder de vista o facto de que,

tanto as pedras como os pneus, têm uma forte mensagem ecológica, dado que se baseiam na reutilização e reaproveitamento de materiais, como o pneu, em si, e a tentativa de atingir o desperdício 0, com o uso do meu próprio desperdício para a base das pedras.

Por outro lado, até porque é a fase mais recente da minha obra, não posso deixar de mencionar a série orgânica que teve a sua primeira expressão com a concretização do Dodecaedro, uma escultura em ferro e lã formada por 12 pentágonos iguais… e que atualmente tenho vindo a explorar na forma de cubos, com os bancos ou mesas, da mesma série.

Qual a distinção que poderemos fazer entre Design e Arte?

Revista Anteprojectos - Agosto 2018 - pg30fMais do que procurar uma distinção ou definição, eu acredito profundamente na fusão de conceitos. Acho que a ideia de cada disciplina, cada uma em separado, está cada vez mais em desuso… e não faz sentido, porque tudo comunica, tudo se liga. E o mesmo pode acontecer com o design e a arte. Haverão especialistas que dirão o contrário, é certo. Eu acredito que a criação/conceção de objetos com um fim/solução específico, que entendemos por design, se pode considerar uma arte também, não só pela questão estética que esse objeto encerra e desperta no público, como pelas características próprias em que é manufaturado, por exemplo.

Podemos dizer que cada peça é exclusiva ou de edição limitada? Este é um requisito que cada vez tem mais procura em Portugal?

Os meus trabalhos são únicos, isso é certo. Únicos, pelo conceito, pelas cores, pela técnica e padrões utilizados e, por vezes, únicos mesmo, porque são mesmo irrepetíveis. Peças únicas. Não há outra igual. O dodecaedro, que já mencionei, é um desses casos. Não farei outro!

Dentro da singularidade de cada peça, podemos falar em exclusividade também, porque cada cliente pode escolher as cores, padrões, dimensões e até materiais a utilizar, o que torna aquela peça exclusiva. Séries limitadas, com essa real intenção de criar apenas um determinado número de peças, por enquanto, ainda não optei por essa via.

Revista Anteprojectos - Agosto 2018 - pg30gEsteve há 2 anos a representar Portugal na London Design Fair. O seu trabalho já está internacionalizado? Aspira novos mercados no estrangeiro?

Fui convidado pelo Marco Sousa Santos, comissário da exposição que o AICEP organizou, para ser um dos representantes de Portugal na London Design Fair em 2017. Foi uma ótima experiência. Para repetir, definitivamente. Já tinha sido convidado para representar o país na Palermo Design Week, em 2010,

em Itália. É muito importante ter a oportunidade de mostrar o nosso trabalho lá fora. Explorar novos mercados, conhecer novos públicos, contactar com outras linguagens. É sempre enriquecedor.

No seu entender o crescimento dos empreendimentos turísticos em Portugal veio ajudar a uma maior procura de peças que de alguma forma espelhem as tradições do país, ou sejam representativas do artesanato português?

Podemos fazer essa leitura. Acho que além do crescimento dos empreendimentos turísticos, temos assistido igualmente a um novo olhar sobre aquilo que efetivamente somos, sobre aquilo que nos traduz enquanto povo ou cultura. Aquilo que, para alguns, na viragem deste século, era sinónimo de popular, artesanal (e isso significava não ter qualidade) de repente e muito à custa da forma como outros países começaram a olhar para aquilo que é genuinamente português, tudo se transformou e nalguns casos readquiriu o simbolismo e a importância que parecia ter perdido.

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Em bom rigor, não se tratou de deixar o jornalismo para abraçar a arte… foi antes um caminho, sem qualquer planeamento, que encontrei, quase por acaso, depois de ter posto o jornalismo de parte. Saí da RTP em 2003, para fundar a minha própria produtora de vídeo, que criei com colegas que também tinham saído da televisão pública. Estive ligado a este novo projeto de comunicação até 2006, altura em que saí por opção. Só depois, nesse mesmo ano, comecei a desenvolver esta minha faceta de artesão.

Como nasceu o seu interesse pela produção destas peças?

Nasceu de uma casualidade. Um amigo meu ofereceu-me uma cadeira alentejana com o assento em palhinha. O assento estava danificado e eu decidi retirar-lhe todo o material estragado, deixando apenas a estrutura em madeira.

Revista Anteprojectos - Agosto 2018 - pg30cRecuperei a estrutura e depois de olhar bem para a cadeira, acabei por lhe dar uma nova vida, usando a lã para fazer o assento. A escolha da lã de Arraiolos como matéria-prima deveu-se apenas ao facto de ser o material que tinha à mão, dado que a minha mãe além de professora, fazia tapetes de Arraiolos. É claro que este processo, até decidir usar a lã para fazer o assento, demorou o seu tempo, mas fazer o assento em lã, propriamente dito, foi imediato. Recorri à técnica base da tecelagem. A cadeira funcionou como um tear. Construí a teia e depois fiz a trama. Ou seja, o entrelaçado final.

Este foi o princípio de tudo, depois foi replicar vezes sem conta, para apurar a técnica, numa primeira fase. De seguida novas técnicas e novos objetos foram criados.

Onde se inspira para criar e que mensagem pretende passar com as suas peças?

A fonte de inspiração é muito relativa. Muitas vezes é um processo inconsciente, diria. Porque resulta de um somatório de vivências e experiências… por exemplo, posso inspirar-me na natureza, pelas cores ou por formas. Acontece o mesmo com a arquitetura.

Relativamente à mensagem que pretendo passar, prende-se sobretudo com o devolver a importância ao trabalho artesanal.

É o maior prazer que tenho, ver uma peça nascer das minhas próprias mãos. Hoje em dia, estamos cada vez mais desligados destas relações que estão na base da nossa própria evolução. E isso, de certa forma, preocupa-me, porque nos arriscamos a perder o rasto a um sem número de tradições.

Paralelamente há no meu trabalho uma clara exaltação da cor. E faço questão de a usar como bandeira. Acredito nas propriedades terapêuticas da cor e que nas nossas casas, nas nossas vidas, somos pouco ousados no uso da mesma cor. Com o meu trabalho procuro mostrar que não devemos ter medo de usar e abusar, se for preciso, da cor.

Que matérias-primas usa com mais predominância?

A lã de Arraiolos é obviamente a minha matéria-prima de eleição e a base de todo o conceito. Além da lã, os materiais que uso são a madeira, o ferro, o aço. E outros há, que estão ainda por usar e experimentar…

Em que medida as suas criações são uma reinvenção das tradições nacionais?

Revista Anteprojectos - Agosto 2018 - pg30dSe pensarmos que Portugal foi um dos países com maior expressão ao nível dos lanifícios até ao séc. XIX e que concretamente, no caso da lã de Arraiolos, temos uma história de séculos que se mantém quase inalterada, graças ao labor das tapeteiras daquela vila alentejana, o que eu fiz foi uma reinvenção de uma tradição, sim, mas pelo uso que lhe damos.

Até criar a minha primeira marca – a água de prata – o uso da lã de Arraiolos era exclusivo da tapeçaria tradicional. Criar peças de mobiliário recorrendo à lã era impensável. Construir todo um conceito que reinventasse toda uma tradição, com uma linguagem absolutamente contemporânea, muito menos se imaginaria.

Qual a peça mais representativa até agora da sua carreira?

Revista Anteprojectos - Agosto 2018 - pg30eÉ difícil responder de uma forma direta. Todas, de uma forma ou de outra, são representativas da minha obra. Por um lado, destacaria as pedras e os pneus, pois representaram uma viragem no meu percurso como artesão e designer. Permitiram-me explorar de forma mais abrangente as características da lã e criar, assim, novas formas, uma linguagem assumidamente contemporânea, sem perder de vista o facto de que,

tanto as pedras como os pneus, têm uma forte mensagem ecológica, dado que se baseiam na reutilização e reaproveitamento de materiais, como o pneu, em si, e a tentativa de atingir o desperdício 0, com o uso do meu próprio desperdício para a base das pedras.

Por outro lado, até porque é a fase mais recente da minha obra, não posso deixar de mencionar a série orgânica que teve a sua primeira expressão com a concretização do Dodecaedro, uma escultura em ferro e lã formada por 12 pentágonos iguais… e que atualmente tenho vindo a explorar na forma de cubos, com os bancos ou mesas, da mesma série.

Qual a distinção que poderemos fazer entre Design e Arte?

Revista Anteprojectos - Agosto 2018 - pg30fMais do que procurar uma distinção ou definição, eu acredito profundamente na fusão de conceitos. Acho que a ideia de cada disciplina, cada uma em separado, está cada vez mais em desuso… e não faz sentido, porque tudo comunica, tudo se liga. E o mesmo pode acontecer com o design e a arte. Haverão especialistas que dirão o contrário, é certo. Eu acredito que a criação/conceção de objetos com um fim/solução específico, que entendemos por design, se pode considerar uma arte também, não só pela questão estética que esse objeto encerra e desperta no público, como pelas características próprias em que é manufaturado, por exemplo.

Podemos dizer que cada peça é exclusiva ou de edição limitada? Este é um requisito que cada vez tem mais procura em Portugal?

Os meus trabalhos são únicos, isso é certo. Únicos, pelo conceito, pelas cores, pela técnica e padrões utilizados e, por vezes, únicos mesmo, porque são mesmo irrepetíveis. Peças únicas. Não há outra igual. O dodecaedro, que já mencionei, é um desses casos. Não farei outro!

Dentro da singularidade de cada peça, podemos falar em exclusividade também, porque cada cliente pode escolher as cores, padrões, dimensões e até materiais a utilizar, o que torna aquela peça exclusiva. Séries limitadas, com essa real intenção de criar apenas um determinado número de peças, por enquanto, ainda não optei por essa via.

Revista Anteprojectos - Agosto 2018 - pg30gEsteve há 2 anos a representar Portugal na London Design Fair. O seu trabalho já está internacionalizado? Aspira novos mercados no estrangeiro?

Fui convidado pelo Marco Sousa Santos, comissário da exposição que o AICEP organizou, para ser um dos representantes de Portugal na London Design Fair em 2017. Foi uma ótima experiência. Para repetir, definitivamente. Já tinha sido convidado para representar o país na Palermo Design Week, em 2010,

em Itália. É muito importante ter a oportunidade de mostrar o nosso trabalho lá fora. Explorar novos mercados, conhecer novos públicos, contactar com outras linguagens. É sempre enriquecedor.

No seu entender o crescimento dos empreendimentos turísticos em Portugal veio ajudar a uma maior procura de peças que de alguma forma espelhem as tradições do país, ou sejam representativas do artesanato português?

Podemos fazer essa leitura. Acho que além do crescimento dos empreendimentos turísticos, temos assistido igualmente a um novo olhar sobre aquilo que efetivamente somos, sobre aquilo que nos traduz enquanto povo ou cultura. Aquilo que, para alguns, na viragem deste século, era sinónimo de popular, artesanal (e isso significava não ter qualidade) de repente e muito à custa da forma como outros países começaram a olhar para aquilo que é genuinamente português, tudo se transformou e nalguns casos readquiriu o simbolismo e a importância que parecia ter perdido.

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